REVISTA DE TRABALHOS ACADÊMICOS – UNIVERSO BELO HORIZONTE, Vol. 1, No 10 (2024)

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FUNDADA SUSPEITA: UMA ANÁLISE JURÍDICA PARA A DETERMINAÇÃO DA SUSPEIÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DE ABORDAGENS POLICIAIS ROTINEIRAS

Michele Cristie Pereira, Paula de Oliveira Cesarino Muzzi

Resumo


A "fundada suspeita" é um conceito jurídico que desempenha um papel crucial na aplicação da lei em muitas jurisdições ao redor do mundo. Ela permite que as autoridades policiais ajam quando há uma crença razoável de que uma pessoa esteja envolvida em atividades criminosas, mesmo na ausência de evidências concretas. No entanto, o uso desse conceito levanta questões importantes sobre os direitos individuais e a possibilidade de abusos por parte das autoridades. Conforme previsão no artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP), a fundada suspeita não possui uma definição legal precisa, mas é interpretada pela doutrina e jurisprudência como uma convicção fundada em indícios suficientes de autoria ou participação em infração penal. Tal conceito, contudo, abre margem para subjetividades na interpretação do que seriam "indícios suficientes", levando a questionamentos sobre a legitimidade de abordagens baseadas em perfis estereotipados ou em preconceitos. Diante seu caráter interpretativo, muito se discute sobre o que de fato embasa uma abordagem policial, visto os transtornos e constrangimentos inerentes à interrupção momentânea do direito de ir e vir causam à pessoa abordada. Por um lado, as reclamações de cidadãos inconformados com a situação ganham holofotes midiáticos, sensacionalistas e mudam a perspectiva da sociedade ante a ação legítima, por outro, as alegações de falta de amparo estatal causam a insegurança jurídica dos agentes de segurança pública, profissionais que trabalham com o perigo iminente de atentado inclusive contra a sua própria incolumidade.

 O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm papel crucial na definição de parâmetros para a aplicação do conceito de fundada suspeita. De forma geral, os tribunais superiores têm enfatizado que a mera presença em local considerado suspeito ou comportamentos genéricos não são suficientes para justificar a abordagem, causando a insegurança jurídica citada anteriormente. O presente artigo abordou as perspectivas relativas à suspeição em variadas abordagens do Estado para com os seus cidadãos. O processo para o esclarecimento sobre o tema é complexo e demanda tempo para analisar o lado da segurança pública e da pessoa física sob o jugo estatal, sendo necessário estar inserido no contexto de cada caso isolado para emitir um parecer conciso e assertivo. Decisões judiciais frequentemente analisam se a suspeita foi realmente fundada, avaliando o contexto e as circunstâncias da abordagem. A transparência e a responsabilidade policial são essenciais para garantir que a fundada suspeita não se transforme em um mecanismo de discriminação ou abuso de poder. Em muitos casos, a eficácia da atuação policial depende de treinamento adequado e de uma supervisão rigorosa, assegurando que as ações sejam fundamentadas em evidências concretas e respeitem os direitos dos cidadãos. A sociedade civil e organismos de controle, como a Ouvidoria de Polícia, desempenham um papel vital no monitoramento dessas práticas e na promoção de uma cultura de respeito aos direitos humanos. Embora os policiais sejam capacitados para identificar possíveis atentados relacionados à segurança pública, cabe a eles, no primeiro momento, tomarem medidas que visam coibir e inibir praticas que ponham em risco a incolumidade da pessoa humana e patrimonial, já que se trata de uma ação urgente e, em um segundo momento, ao judiciário que definirá os limites dessa atuação. Apesar  do investimento em segurança pública seja escasso no Brasil, as polícias de cada Estado-membro se esforçam em tentar atingir maior lisura em suas definições de “fundada suspeita” a fim de evitar ilegalidades por parte de seus agentes e eventual responsabilização administrativa e penal, que acarreta grande retrocesso nas forças de segurança pública, pois, devido à vaga definição de parâmetros para a atuação, por vezes os agentes se vêm sendo responsabilizados por condutas perpetradas no estrito cumprimento do dever legal, mas que não se encaixaram nas estreitas e subjetivas margens do poder judiciário. É importante frisar que a fundada suspeita é de extrema importância para a sociedade, visto que através dela os agentes de segurança pública são capacitados para realizar o policiamento preventivo, repressivo, recuperar patrimônio subtraído, impedir a depredação, preservar as garantias fundamentais da pessoa humana e capturar infratores para enviá-los aos locais de ressocialização. São atitudes que todos se beneficiam, inclusive infratores. A análise jurisprudencial revela um esforço dos tribunais superiores em equilibrar a necessidade de ações eficazes por parte das forças policiais com a imperiosa proteção dos direitos fundamentais. Embora o conceito de fundada suspeita permaneça um terreno propício para subjetividades, a jurisprudência tem caminhado no sentido de exigir motivações concretas e objetivas para justificar abordagens policiais, condenando práticas discriminatórias e arbitrárias. Esse percurso, ainda em construção, reflete o desafio contínuo de harmonizar segurança pública e respeito aos direitos humanos em uma sociedade democrática.

 


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ISSN 2179-1589

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