REVISTA DE TRABALHOS ACADÊMICOS – UNIVERSO BELO HORIZONTE, Vol. 1, No 8 (2023)

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RELATO DE CASO CLÍNICO - Cirurgia Bucal - Os bisfosfonatos e a Odontologia

Filipe Roque Ribeiro, Hannah Haibara Leite, Flávia Leite Lima

Resumo


Justificativa

Os bisfosfonatos (BFs) têm sido indicados para o tratamento de doenças do metabolismo ósseo. Atualmente, seu emprego terapêutico aumentou e, com ele, os efeitos adversos, dos quais um dos mais importantes é a indução da osteonecrose dos ossos mandíbula e maxila, uma complicação de difíceis tratamento e solução. Até o presente, não se sabe ao certo qual é o mecanismo de desenvolvimento da osteonecrose dos ossos mandíbula e maxila induzida por bisfosfonatos (ONMB), nem qual deve ser o tratamento estabelecido perante essa manifestação. Apesar de a literatura apresentar formas variadas de tratamento, não existe um protocolo definido.

Caso clínico

Paciente L.S.D.S., sexo feminino, 68 anos de idade, compareceu a clínica escola de Odontologia da faculdade Universo com queixa dos restos radiculares dos dentes 27, 41 e 45. No dia da primeira anamnese ela relatou tomar medicamentos para hipertensão, ansiedade, artrite que não impedem a realização da cirurgia de exodontia dos restos radiculares. Porém três dias antes da cirurgia, a paciente informou a secretária que faz o uso de bisfosfonato para osteoporose.

Fundamentação teórica

Os bisfosfonatos (BFs) vêm sendo utilizados desde 1960 para o tratamento de metástases ósseas, câncer de pulmão, mieloma múltiplo, doença de Paget, controle de doenças do metabolismo do cálcio, entre outros. Seu emprego terapêutico tem aumentado principalmente para tratamento e prevenção de osteoporose e osteopenia. Estima-se que no período de maio de 2003 a abril de 2004 foram realizadas aproximadamente 22 milhões de prescrições de alendronato nos EUA. Os BFs têm sido considerados a droga mais prescrita para tratamento da osteoporose no mundo.

Os BFs alteram o mecanismo de reabsorção e remodelação óssea e, por esse motivo, teriam ação terapêutica nas doenças citadas anteriormente. Com o crescimento da utilização dos BFs e o aumento do tempo de uso desses medicamentos, surgiram os primeiros relatos de complicações associadas à sua utilização, dos quais os mais comuns são em relação à mialgia e à esofagite. A osteonecrose em maxilares induzida por bisfosfonatos (ONMB) foi relatada pela primeira vez em 2003, quando foram demonstradas 36 lesões ósseas em mandíbula e/ou maxila em pacientes que faziam uso de pamidronato ou zoledronato, descrevendo as lesões como decorrentes de efeito adverso desconhecido grave. Desde então, a ONMB passou a ser reconhecida como uma entidade com impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes que utilizam esse fármaco.

Os BFs são análogos não metabolizáveis dos pirofosfatos inorgânicos, utilizados na indústria de cremes dentais para diminuir a formação de cálculo por meio da inibição da precipitação do cálcio.

Quando utilizados como agentes farmacológicos, os BFs têm efeitos biológicos fundamentais no metabolismo do cálcio, inibindo a calcificação e a reabsorção óssea. Eles atuam por meio de dois mecanismos de ação relacionados com atividade antiosteoclástica e antiangiogênica. A meia-vida plasmática dos BFs é de aproximadamente 10 anos, e seu uso prolongado pode resultar em acúmulo substancial da droga no esqueleto.

Os BFs alteram o mecanismo do tecido ósseo em vários níveis, inibindo a reabsorção e diminuindo o turnover ósseo. Em nível celular, eles atuam sobre o recrutamento de osteoclastos, sua viabilidade, a bioviabilidade de seu progenitor e sua atividade sobre o osso. Do ponto de vista molecular, postula-se que os BFs possam modular a função dos osteoclastos reagindo com um receptor de superfície ou com uma enzima intracelular.

Em relação à atividade antirreabsortiva, um dos fatores mais importantes do efeito dos BFs está na inibição da atividade osteoclástica. Essa função está implicada com sua ação terapêutica no tratamento da osteoporose e do câncer no sistema esquelético.

A diminuição do processo de reabsorção óssea pelos BFs pode ser explicada considerando-se que os metabólitos dos compostos não nitrogenados são tóxicos aos osteoclastos, levando-os à morte. Os compostos nitrogenados, por sua vez, bloqueiam a diferenciação dos osteoclastos e estimulam os osteoblastos a produzir fator de inibição dos osteoclastos, acarretando em diminuição na reabsorção óssea. Como o processo de metabolismo ósseo está baseado nos processos de reabsorção e deposição, a remodelação óssea fica comprometida. Contudo, o tecido ósseo continua a mineralizar, podendo tornar-se frágil, quebradiço e menos elástico.

O cirurgião-dentista deve identificar os pacientes que estão em tratamento com BPs. Um exame clínico rigoroso e medidas preventivas podem minimizar a necessidade de procedimentos odontológicos invasivos. Entretanto, todo indivíduo está sujeito a desenvolver patologias orais, ou mesmo sofrer algum traumatismo dentoalveolar, ou ainda, estar exposto a traumas crônicos ocasionados por próteses dentárias, que podem servir como um estímulo para o desenvolvimento da necrose. Por isso, há a preocupação de muitos autores em estudar métodos que controlem a necrose dos maxilares.

Estudos têm mostrado a eficiência do uso de antibióticos no tratamento sintomático das necroses. Pesquisas utilizando a terapia laser de baixa intensidade (Low Level Laser Therapy - LLLT) como possibilidade de tratamento para as necroses associadas a maxilares têm sido realizadas em virtude de seu efeito bioestimulador e potencial antimicrobiano quando utilizada em tecidos bucais.

Conduta do caso

Diante do exposto sobre o uso de bisfosfonatos e a sua relação com cirurgias odontológicas, a professora Flávia Leite Lima e nós, alunos que atenderam a paciente, decidimos manter o horário da cirurgia marcado e que o procedimento cirúrgico apenas iria ser realizado se houvesse alguma infecção localizada nos restos radiculares ou alguma outra urgência. No dia que seria a cirurgia da paciente, a filha dela foi acompanhá-la. A professora Flávia fez uma avaliação e não encontrou sinais de infecção e nenhum outro motivo urgente para realização da cirurgia. Portanto, conversamos com a paciente e a filha sobre a ação do Bisfosfonato e o que ele poderia causar após a cirurgia e contraindicamos a realização do procedimento naquele momento. Combinamos com a paciente de manter um acompanhamento de 6 em 6 meses para continuarmos avaliando os restos radiculares.

Conclusão

Estudos experimentais in vitro, in vivo e clínicos são necessários para que se possa compreender melhor o desenvolvimento da ONMB. Resultados de pesquisas futuras poderão contribuir para o delineamento de protocolos de prevenção e de tratamento adequados para os pacientes. Enquanto não existem evidências do uso de Bisfosfonato e a sua relação com a osteonecrose dos ossos mandíbula e maxila, devemos sempre evitar procedimentos odontológicos nos pacientes que fazem o uso desse medicamento, exceto em casos que a situação do paciente seja crítica e urgente para a realização do procedimento.


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ISSN 2179-1589

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